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Legenda da foto, A descoberta de postagens inflamadas feitas pela atriz nas redes sociais gerou polêmicaArticle information
- Author, Nicholas Barber
- Role, BBC Culture
- 3 fevereiro 2025
Atualizado Há 8 horas
Até a semana passada, havia também a chance de que ela fizesse história novamente ao ganhar o prêmio. Mas e agora?
“Acho que podemos dizer com segurança que Karla Sofía Gascón não vai ganhar nada”, disse Wendy Ide, crítica de cinema do The Observer, à BBC.
Gascón interpreta um traficante de drogas mexicano que passa por uma transição de gênero no thriller musical Emilia Pérez, de Jacques Audiard — um filme que vinha sendo cotado como um dos favoritos para levar para casa os maiores prêmios do Oscar de 2025, incluindo o de melhor filme, mas que já estava mergulhado em controvérsias.
Isso pode não ter sido suficiente para fazer com que os jurados da Academia se voltassem contra Emilia Pérez, que recebeu 13 indicações ao Oscar, mas agora há uma questão maior a ser considerada.
Na sequência, ela voltou atrás, afirmando que estava “se referindo à toxicidade e ao discurso de ódio violento nas redes sociais” em geral. Mas ficou a impressão de que Gascón atacou uma concorrente de uma forma que vai contra o espírito do Oscar.
Ainda assim, isso foi uma “tempestade em um copo d’água” em comparação com a enxurrada de postagens antigas do X que foram resgatadas pela jornalista Sarah Hagi e, posteriormente, publicadas na revista Variety.
Publicadas durante 2020 e 2021, as postagens incluíam vários comentários ofensivos sobre George Floyd, chineses, mulheres muçulmanas e o Islã em geral, para citar apenas alguns dos alvos de Gascón.
Como se não bastasse, havia uma postagem atacando o próprio Oscar. Ao comentar sobre a edição de 2021, na qual Nomadland ganhou o prêmio de melhor filme, Gascón disse que “cada vez mais o #Oscar está parecendo uma cerimônia para filmes independentes e de protesto, não sabia se estava assistindo a um festival afro-coreano, a uma manifestação do Black Lives Matter ou ao 8M [uma forma espanhola de se referir ao Dia Internacional da Mulher]. Fora isso, um baile de gala feio, feio”.
Em uma entrevista à CNN, Gascón pediu desculpas a qualquer um que “possa ter se sentido ofendido” por suas postagens, mas disse que não era racista.
Mas acrescentou que não desistirá do Oscar. “Não posso desistir de uma indicação ao Oscar porque não cometi nenhum crime, nem prejudiquei ninguém.”
A ironia é que, como Gascón é uma mulher trans, e o filme oferece um retrato empático e repleto de nuances de um protagonista trans, parte do apelo do filme aos jurados foi o fato de parecer tão progressista. Mas não há nada de progressista no conteúdo antidiversidade das postagens dela.
“As chances de Emilia Pérez estão fortemente ligadas às suas credenciais progressistas”, diz Ed Potton, editor de artes do The Times. “Uma vez perdidas, será difícil recuperá-las.”
Crédito, Netflix
Legenda da foto, Karla Gascón (dir.) estrela o filme ao lado de Zoe Saldaña, também indicada ao Oscar
Inteligência artificial nos filmes
Na sexta-feira (31/1), Gascón divulgou uma declaração dizendo “àqueles que causei dor, lamento profundamente”, mas o estrago já está feito.
“Ela sempre teve uma chance remota de ganhar o prêmio de melhor atriz”, diz Ide.
“Mas agora eu ficaria muito surpresa se Emilia Pérez ganhasse o prêmio de melhor filme, e na semana passada parecia ser um forte candidato.”
Como diz Ide, as repercussões das postagens de Gascón nas redes sociais podem não apenas acabar com as chances de Gascón de ganhar uma estatueta — as perspectivas de Emilia Pérez em outras categorias também podem ruir.
Gascón disse que não “reconheceu” algumas das postagens que foram encontradas e disse que não teve a oportunidade de se defender.
Ela também negou ter escrito uma postagem depreciativa sobre a colega de elenco de Emilia Pérez, Selena Gomez.
“Não é minha, claro, nunca disse nada sobre minha colega, nunca me referiria a ela dessa forma”, disse Gascón.
Será que este é o primeiro caso de um escândalo que acaba com os sonhos de uma produção indicada a melhor filme na reta final da competição?
“Na verdade, eu não achava que Emilia Pérez ganharia o prêmio de melhor filme, mas isso definitivamente não vai acontecer agora”, afirma Patrick Heidmann, jornalista de cinema do Berliner Zeitung.
“Para melhor filme internacional, Ainda Estou Aqui é agora o favorito. A outra única questão é como e se Zoe Saldaña [que contracena com Gascón] será prejudicada por isso. Ela ia ganhar com certeza o prêmio de melhor atriz coadjuvante, mas talvez Isabella Rossellini e Ariana Grande possam ter esperança novamente agora.”
Saldaña comentou sobre a polêmica em torno da protagonista durante uma sessão de perguntas e respostas sobre o filme na noite de sexta-feira, em Londres.
“Isso me deixa muito triste porque não apoio [isso] e não tenho nenhuma tolerância com qualquer retórica negativa em relação a pessoas de qualquer grupo. Só posso testemunhar sobre a experiência que tive com cada um dos indivíduos que fizeram parte, que fazem parte, desse filme, e minha experiência e minhas interações com eles foram sobre inclusão e colaboração e igualdade racial, cultural e de gênero. E isso simplesmente me entristece”, afirmou a atriz.
Aconteça o que acontecer, já existe o risco de que as narrativas fora da tela relacionadas aos indicados ao Oscar deste ano possam ofuscar as histórias dos próprios filmes.
Na semana passada, Fernanda Torres se desculpou por ter feito blackface em uma esquete de comédia há quase 20 anos.
Há algumas semanas, os produtores de O Brutalista admitiram que usaram inteligência artificial para gerar alguns planos arquitetônicos e para ajustar a pronúncia húngara dos atores — o que não pega bem para um filme que foi celebrado por ser um trabalho artístico de amor feito por um diretor ousadamente independente. (Aliás, a inteligência artificial também foi usada para melhorar a voz de Gascón em Emilia Pérez).
Enquanto isso, vários indicados ao prêmio tiveram os nomes manchados por acusações relacionadas à chamada “fraude de categoria”.
Alguns críticos questionaram se Saldaña e Grande deveriam ter sido indicadas para o prêmio de melhor atriz coadjuvante por suas atuações em Emilia Pérez e Wicked, respectivamente, e se Kieran Culkin deveria ter sido indicado para o prêmio de melhor ator coadjuvante por A Verdadeira Dor, quando suas personagens poderiam ser descritas com mais precisão como coprotagonistas.
E Mikey Madison, a estrela de Anora, foi alvo de uma reação negativa quando disse que optou por não usar um coordenador de intimidade ao filmar as cenas de sexo.
Crédito, Netflix
Legenda da foto, O Brutalista também tem sido alvo de controvérsia como resultado do uso de inteligência artificial
Nada disso é novidade. Em vez de ganhar ou perder o Oscar com base apenas na qualidade, os filmes e os atores são sempre afetados por fatores externos.
Quando Paul Newman ganhou o Oscar de melhor ator por A Cor do Dinheiro em 1987, isso se deveu em grande parte ao sentimento efusivo e acolhedor em relação a um ícone amado de Hollywood.
No outro extremo, depois que Mickey Rourke foi gravado usando um insulto homofóbico contra um jornalista no fim de 2008, não foi surpresa que ele não tenha ganhado o Oscar de melhor ator por O Lutador em 2009.
Em vez disso, Sean Penn ganhou o prêmio por interpretar Harvey Milk, ativista dos direitos gays, em Milk – A Voz da Igualdade.
É verdade, também, que os executivos e publicitários do cinema nunca tiveram vergonha de lançar boatos desagradáveis sobre a concorrência.
Quando Harvey Weinstein era o chefe da Miramax, ele foi acusado de falar mal dos rivais na premiação, como quando seu filme Shakespeare Apaixonado obteve uma surpreendente vitória como melhor filme, desbancando O Resgate do Soldado Ryan em 1999.
Desde então, houve rumores de que Natalie Portman não dançou o suficiente em Cisne Negro, de Darren Aronofsky, e não deu crédito suficiente à sua dublê de balé.
No ano retrasado, houve reclamações de que as campanhas de duas indicadas ao prêmio de melhor atriz, Andrea Riseborough e Michelle Yeoh, haviam burlado as regras, embora não as tivessem violado.
Mas neste ano, as coisas parecem estar fora de controle.
“Devo dizer que não me lembro de um jogo sujo tão explícito em qualquer disputa anterior do Oscar”, disse Stephanie Bunbury, jornalista de cinema do Sydney Morning Herald.
Os escândalos que pipocam e os insultos lançados “sugerem um novo imperativo para vencer por meios justos ou sujos”, acrescenta ela — mas eles podem ter mais a ver com a prevalência das redes sociais do que com campanhas de difamação orquestradas.
“Se [a animosidade] reflete o estado desesperador do setor ou apenas a sordidez dos tempos em que vivemos, eu realmente não tenho ideia. Mas isso certamente está trazendo um cheiro de enxofre aos procedimentos.”
Também está trazendo uma incerteza real. Nesta temporada fervorosa de premiações, em que não há nenhuma aposta segura em relação a prêmio de melhor filme, a situação está subitamente melhorando para o lado de Conclave e Um Completo Desconhecido, mesmo que seja apenas porque estes filmes podem parecer à Academia escolhas seguras e sem controvérsias — até agora, pelo menos.
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