Crédito, Andy Rain/EPA
Legenda da foto, Existem divergências sobre o grau de impacto específico do Brexit sobre o comércio britânicoArticle information
- Author, Ben Chu e Tamara Kovacevic
- Role, Da BBC Verify
3 fevereiro 2025
No dia 31 de janeiro de 2020, os britânicos romperam seus laços políticos mantidos com a UE por 47 anos.
O país permaneceu no mercado comum e na união alfandegária por mais 11 meses, para manter o fluxo comercial, e celebrou um acordo em separado sobre a Irlanda do Norte.
O Brexit trouxe inúmeras controvérsias políticas e sociais. O evento dominou o debate político e as discussões sobre suas consequências se estenderam por vários anos.
Cinco anos depois, a BBC Verify examinou cinco pontos importantes sobre o Brexit e como eles afetaram o Reino Unido.
1. Comércio
Economistas e analistas costumam avaliar como negativo o impacto da saída do Reino Unido do mercado comum e da união alfandegária da União Europeia, no dia 1º de janeiro de 2021 — mesmo com o país tendo negociado um acordo de livre comércio com a UE e evitado a cobrança de impostos ou tarifas sobre a importação e exportação de mercadorias.
Esse impacto negativo vem das chamadas “barreiras não tarifárias” — a demorada e, às vezes, complicada burocracia enfrentada pelas empresas para importar e exportar mercadorias e serviços para a União Europeia.
Existem divergências sobre o grau de impacto específico do Brexit sobre o comércio britânico.
Estudos recentes indicam que as exportações de mercadorias pelo Reino Unido são 30% menores do que seriam se o país não tivesse deixado a União Europeia. Outros apontam uma redução de apenas 6%.
É impossível ter certeza porque os resultados dependem muito do método adotado pelos pesquisadores para avaliar a situação “contrafatual”, ou seja, o que teria acontecido com as exportações britânicas se o país tivesse permanecido na UE.
Um ponto que podemos afirmar com razoável certeza é que as pequenas empresas do Reino Unido aparentemente foram mais prejudicadas do que as companhias maiores.
Também sabemos ao certo que as exportações britânicas de serviços, como publicidade e consultoria de gestão, inesperadamente, vêm tendo bons resultados desde 2021.
Mas a premissa de trabalho do Escritório de Responsabilidade Orçamentária (OBR, na sigla em inglês) — órgão oficial independente de previsões do governo britânico — ainda prevê que, a longo prazo, o Brexit irá reduzir as exportações e importações de bens e serviços do Reino Unido em 15%, em relação à permanência do país na União Europeia.
O organismo mantém esta visão desde 2016, mesmo durante o governo anterior.
Outra premissa de trabalho do OBR afirma que a queda do comércio, em relação ao que ocorreria se o Reino Unido tivesse permanecido na União Europeia, irá reduzir o tamanho da economia britânica a longo prazo em cerca de 4%.
Este índice equivale a cerca de 100 bilhões de libras (cerca de R$ 723 bilhões), em dinheiro atual.
Crédito, Henry Nicholls/Reuters
Legenda da foto, Reino Unido deixou a União Europeia há cinco anos
O OBR declarou que poderá revisar as duas premissas, com base em novos estudos e evidências.
O impacto econômico negativo estimado poderá diminuir, se as consequências ao comércio forem consideradas menos graves no futuro. Mas ainda não existem evidências de que este impacto negativo possa se reverter, passando a ser positivo.
Após o Brexit, o Reino Unido conseguiu estabelecer seus próprios acordos comerciais com outros países.
Houve novos acordos com a Austrália e a Nova Zelândia e o governo britânico vem buscando outros convênios com os Estados Unidos e a Índia.
Mas as avaliações oficiais do próprio governo consideram que as consequências desses acordos sobre a economia são pequenas, em relação ao impacto negativo do comércio entre o Reino Unido e a União Europeia.
Mas alguns economistas defendem que ainda poderá haver benefícios econômicos de mais longo prazo, já que o Reino Unido não precisa mais seguir as leis e regulamentações da União Europeia que regem setores como a inteligência artificial.
2. Migração
A imigração foi um tema fundamental na campanha do plebiscito de 2016. A questão principal foi a liberdade de movimentação na União Europeia, que permitia aos cidadãos da UE e do Reino Unido se movimentarem livremente para visitar, estudar, trabalhar e morar nos diferentes países.
Este fenômeno se acelerou depois de 2020, com o fim da liberdade de movimentação.
Mas houve um grande aumento da migração líquida do resto do mundo para o Reino Unido desde 2020.
Em janeiro de 2021, entrou em vigor o sistema de imigração pós-Brexit.
Segundo este sistema, cidadãos da União Europeia e de fora da UE precisam obter vistos de trabalho para poderem trabalhar no Reino Unido — exceto cidadãos irlandeses, que continuam podendo morar e trabalhar no Reino Unido sem visto.
Os dois principais fatores para esse aumento da imigração de fora da UE desde 2020 são os vistos de trabalho (especialmente no setor de saúde), além dos estudantes internacionais e seus dependentes.
Com a deterioração da sua situação financeira, as universidades britânicas começaram a aceitar maior número de estudantes de fora da União Europeia.
E a decisão tomada pelo governo do ex-primeiro-ministro Boris Johnson (2019-2022), de reintroduzir o direito de permanecer e trabalhar no Reino Unido aos estudantes estrangeiros depois de se formarem, também fez com que o país atraísse mais estudantes internacionais.
Os governos conservadores subsequentes do Reino Unido reduziram o direito de trazer dependentes para as pessoas com vistos de trabalho e estudo. O atual governo trabalhista manteve estas restrições.
3. Viagem
A liberdade de movimentação encerrada com o Brexit também afetou as pessoas que trabalham a negócios e turismo.
Os portadores de passaportes britânicos não podem mais usar as filas destinadas a cidadãos da União Europeia, Área Econômica Europeia e Suíça, para cruzar as fronteiras da UE.
Os cidadãos britânicos ainda podem visitar a UE como turistas sem necessidade de visto por 90 dias, a cada período de 180 dias. Para isso, é preciso que a validade dos seus passaportes seja de pelo menos três meses após o momento do retorno.
Já os cidadãos da União Europeia podem permanecer no Reino Unido por até seis meses, sem necessidade de visto. Mas existe uma mudança maior no horizonte, que irá afetar os viajantes.
Em 2025, a União Europeia planeja introduzir um novo sistema eletrônico, o Sistema de Entradas e Saídas (EES, na sigla em inglês). Trata-se de um sistema de TI automatizado para registro dos visitantes de países de fora da UE.
O EES irá registrar o nome da pessoa, tipo do documento de viagem, dados biométricos (impressões digitais e imagens faciais) e a data e o local de entrada e de saída. Ele irá substituir os carimbos manuais dos passaportes.
Ainda não sabemos quais serão os impactos da medida. Mas algumas pessoas do setor de viagens expressaram receio de que o novo sistema poderá aumentar as filas nas fronteiras, na saída do Reino Unido.
O EES deveria ter sido implementado em novembro do ano passado, mas foi adiado para 2025. Ainda não há uma nova data definida.
A União Europeia também anunciou que irá introduzir, seis meses depois da implementação do EES, um novo Sistema Europeu de Autorização e Informações de Viagem (ETIAS, na sigla em inglês). E os cidadãos britânicos precisarão obter autorização do ETIAS para viajar para 30 países do continente.
A autorização do ETIAS irá custar 7 euros (cerca de R$ 42) e será válida por até três anos ou até o vencimento do passaporte, o que ocorrer primeiro. Uma pessoa que tenha um novo passaporte precisará obter uma nova autorização de viagem pelo ETIAS.
Paralelamente, o Reino Unido está implementando o seu próprio sistema equivalente ao ETIAS para cidadãos da UE, a partir de 2 de abril de 2025. Os cidadãos irlandeses estarão isentos de autorização.
O sistema britânico irá receber o nome de Autorização Eletrônica de Viagem (ETA, na sigla em inglês) e irá custar 16 libras (cerca de R$ 116).
Crédito, Reuters
Legenda da foto, Turistas britânicos precisarão obter autorização para viajar para a União Europeia
4. Legislação
A soberania legal — a capacidade do Reino Unido de elaborar sua própria legislação, sem precisar seguir as leis da União Europeia — foi outra importante promessa da campanha do plebiscito sobre o Brexit.
Para minimizar os problemas imediatamente após o Brexit, em 2020, o Reino Unido incorporou milhares de leis da União Europeia à legislação britânica. Elas ficaram conhecidas no país como as “leis da UE mantidas”.
A última contagem do governo britânico indicou que havia 6.901 leis da UE mantidas no Reino Unido. Elas cobrem temas como horários de trabalho, igualdade de pagamento, rotulagem de alimentos e padrões ambientais.
O governo conservador anterior estabeleceu inicialmente um prazo para eliminar a legislação da União Europeia no país até o final de 2023. Mas, com tantas leis a serem analisadas, surgiu o receio de que não haveria tempo suficiente para analisar todas elas adequadamente.
A maioria destas leis eram regulamentações relativamente obscuras. Muitas delas foram substituídas ou perderam a relevância.
Todas as outras leis da União Europeia foram mantidas, mas os ministros reservam o poder de alterá-las no futuro.
O Brexit também trouxe mais liberdade para o Reino Unido em certas áreas da legislação tributária.
Uma diretriz da União Europeia proíbe que seus Estados-membros cobrem Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) sobre a educação, por exemplo. O Brexit permitiu que o governo trabalhista impusesse o IVA sobre as mensalidades das escolas particulares, por exemplo.
Em 2021, o governo britânico instituiu a alíquota zero do IVA para absorventes higiênicos e outros produtos de uso sanitário. Esta medida não teria sido possível na União Europeia, pois as diretrizes do IVA na UE em vigor na época exigiam alíquota mínima de 5% de imposto sobre todos os produtos sanitários.
5. Dinheiro
O dinheiro enviado pelo Reino Unido para a União Europeia foi um tema controverso no plebiscito de 2016. A campanha a favor do Brexit afirmava que o Reino Unido enviava semanalmente para Bruxelas 350 milhões de libras — cerca de R$ 2,53 bilhões.
A contribuição bruta do setor público britânico para o orçamento da União Europeia em 2019-2020 — o último ano fiscal antes do Brexit — foi de 18,3 bilhões de libras (cerca de R$ 132 bilhões), equivalentes a cerca de 352 milhões de libras (cerca de R$ 2,54 bilhões) por semana, segundo o Departamento Britânico do Tesouro.
O Reino Unido continuou contribuindo para o orçamento da UE durante o período de transição. Os pagamentos foram suspensos em 31 de dezembro de 2020.
Mas estas contribuições sempre retornaram, em parte, para o Reino Unido, por meio de pagamentos para os agricultores britânicos, com base na Política Agrícola Comum (CAP, na sigla em inglês) da UE e do “financiamento estrutural” — subsídios para o desenvolvimento, em apoio ao desenvolvimento de técnicas, emprego e treinamento, em certas regiões do país em desvantagens econômicas. Estes valores somaram 5 bilhões de libras (cerca de R$ 36 bilhões) em 2019-2020.
Os ministros também substituíram os subsídios para financiamento estrutural oferecidos pela União Europeia. No governo anterior, estes subsídios receberam o nome de fundo de “Prosperidade Compartilhada do Reino Unido”.
O Reino Unido também recebia um “desconto” negociado de cerca de 4 bilhões de libras por ano (cerca de R$ 29 bilhões) sobre suas contribuições ao orçamento da União Europeia. Este dinheiro, na verdade, nunca saiu do país.
Com isso, o benefício fiscal líquido do fim dos pagamentos britânicos para o orçamento da União Europeia é de cerca de 9 bilhões de libras por ano (cerca de R$ 65 bilhões). Mas este número é aproximado, já que não sabemos qual teria sido a real contribuição britânica para o orçamento europeu desde 2021, se o Reino Unido tivesse permanecido na UE.
O Reino Unido também vem realizando pagamentos à União Europeia, como parte do acordo oficial do Brexit e sua liquidação financeira.
O Departamento britânico do Tesouro afirma que o país pagou o valor líquido de 14,9 bilhões de libras (cerca de R$ 107 bilhões) entre 2021 e 2023. O órgão estima que, a partir de 2024, será preciso pagar mais 6,4 bilhões de libras (cerca de R$ 46 bilhões), divididos ao longo de vários anos.
Os valores dos pagamentos futuros previstos no acordo de saída também são aproximados, em parte, devido à flutuação das taxas de câmbio. Mas as finanças britânicas permaneceram ligadas à União Europeia de outras formas, além do Orçamento da UE e do acordo de retirada.
Depois que o Brexit entrou em vigor, o Reino Unido também suspendeu os pagamentos para o esquema Horizon, que financia pesquisas científicas em toda a Europa.
Mas o país retornou ao Horizon em 2023. E a UE estima que o Reino Unido deverá pagar, em média, cerca de 2,4 bilhões de euros (cerca de R$ 14,5 bilhões) por ano para o orçamento da União Europeia pela sua participação.
Mas, historicamente, o Reino Unido, em valores líquidos, acaba se beneficiando financeiramente deste acordo, já que muitos dos subsídios são concedidos a cientistas residentes no país.
O futuro
É claro que existem muitas outras consequências do Brexit que não foram cobertas nesta reportagem. Elas incluem os direitos territoriais de pesca, a agricultura e a defesa, por exemplo.
E, com o Partido Trabalhista britânico procurando redefinir as relações do Reino Unido com a União Europeia, este é um tema que promete gerar contínuos debates e análises, ainda por muitos anos.
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